Você sabia que a Itália possui mais de 300 formatos diferentes de massa? E que cada região desenvolveu suas próprias especialidades ao longo dos séculos? Essa diversidade não é acidental, ela reflete fatores como história, geografia e tradições culinárias de cada canto da península italiana.

Como brasileira vivendo na Itália há quase três décadas, tenho o privilégio de conhecer essas tradições de perto. Portanto, vou compartilhar com vocês os segredos por trás dos formatos de massa mais característicos de cada região italiana.

 

Por que cada região tem suas massas?

Antes de mergulharmos nos formatos específicos, é importante entender que a Itália só se unificou em 1861 e por conta desse desfecho tardio, cada região desenvolveu suas tradições culinárias de forma independente durante séculos.

Além disso, os ingredientes disponíveis variavam drasticamente: enquanto o Norte tinha acesso fácil a ovos e manteiga, o Sul contava principalmente com trigo duro e azeite.

 

Norte da Itália: massas recheadas e formatos delicados

Emilia-Romagna: a terra dos Tortellini

Na Emilia-Romagna, especialmente em Bologna, encontramos os famosos tortellini, que segundo conta a tradição, a deusa Vênus (Afrodite na mitologia grega) estava viajando pela região de Emilia-Romagna e parou para descansar numa hospedaria entre Bologna e Modena. O dono da hospedaria, curioso (e meio “voyeur”, digamos assim!), espiou pelo buraco da fechadura do quarto onde a deusa estava se trocando. Ele conseguiu ver apenas um vislumbre do umbigo perfeito da deusa do amor antes de ela perceber e se cobrir.

Fascinado pela beleza daquela pequena parte do corpo divino que conseguiu ver, o hospedeiro correu para a cozinha e criou uma massa que reproduzisse exatamente a forma daquele umbigo perfeito, assim nasceram os tortellini! Se você observar bem um tortellino, ele realmente lembra um pequeno umbigo!

 

Lombardia: tradição e sofisticação

A Lombardia sempre foi uma região muito próspera, não é à toa que Milão é o centro econômico da Itália, e por isso desenvolveu uma culinária sofisticada e diversificada. 

Os casoncelli são verdadeiramente a joia da coroa bergamasca! Esses ravioloni em formato de meia-lua têm uma história fascinante. Tradicionalmente, eram feitos pelas famílias mais abastadas de Bergamo durante o período natalino, usando as sobras dos assados das festividades.
O recheio clássico leva carne de vitela, salsicha, pão amanhecido, ovo, parmesão, especiarias e às vezes até amaretti (os biscoitinhos doces!). Essa mistura doce-salgada pode parecer estranha para nós brasileiros, mas funciona perfeitamente! Tradicionalmente, são servidos com manteiga derretida, pancetta crocante e sálvia, uma combinação que é pura poesia no paladar.

Curiosidade: Cada família bergamasca tem sua receita secreta de casoncelli, passada de geração em geração. É comum as nonnas guardarem ciumentamente seus “truques” especiais!

Os pizzoccheri da Valtellina são uma verdadeira instituição! Feitos com 80% de farinha de trigo sarraceno e 20% de farinha de trigo comum, têm uma cor acinzentada característica e um sabor intenso e levemente terroso.

Essa massa nasceu da necessidade: nas altas montanhas dos Alpes lombardos, o trigo comum não crescia bem, mas o trigo sarraceno sim. Por isso, os valtellineses criaram essa alternativa nutritiva e saborosa, perfeita para enfrentar os invernos rigorosos.

O prato tradicional leva pizzoccheri cozidos com batatas e repolho (cavolo verza), depois tudo é temperado com queijo Bitto DOP (ou Valtellina Casera), alho e manteiga aromática com sálvia. É um prato que “gruda nas costelas”, como dizemos no Brasil!

Outras Especialidades Lombardas
Culurgiones alla Bergamasca: Não confundir com os culurgiones sardos! Estes são típicos de algumas zonas de Bergamo, menores e com recheio diferente.
Scarpinocc di Parre: Originários de um pequeno povoado chamado Parre, esses ravioli triangulares são recheados com uma mistura de queijos locais, nozes e especiarias.
Tortelli di Zucca: Embora também existam em outras regiões, os lombardos têm sua versão especial, especialmente na área de Mantova (que tecnicamente faz parte da Lombardia). O recheio leva abóbora, amaretti, mostarda di Cremona e parmesão.

Uma coisa interessante sobre a Lombardia é que, por ter ficado sob domínio austríaco por muito tempo, algumas preparações têm influências do norte dos Alpes. Os pizzoccheri, por exemplo, lembram vagamente alguns pratos típicos do Tirol.

 

Piemonte: agnolotti e simplicidade

Os agnolotti piemonteses são pequenos e delicados, tradicionalmente recheados com carne assada. Além disso, a região produz os tajarin, fettuccine finíssimas feitas com uma generosa quantidade de gemas de ovo.

 

Centro da Itália: Formatos Rústicos e Saborosos

Lazio (Roma): simplicidade romana

Aqui na nossa querida Roma, dominam as massas simples mas saborosas. Os spaghetti reinam absolutos, especialmente quando servidos alla carbonara ou cacio e pepe. Também encontramos os bucatini, mais grossos e com um furinho no meio, perfeitos para a amatriciana.

 

Toscana: Tradição Camponesa

A Toscana nos oferece os pici, uma massa feita à mão que lembra um espaguete mais grosso e irregular. Tradicionalmente, os toscanos preparam essa massa apenas com farinha e água, sem ovos. Consequentemente, ela tem uma textura única e rústica.

 

Umbria: O Coração Verde da Itália

Na Umbria, região que visitamos frequentemente em nossos tours, destacam-se os strangozzi, similares aos pici toscanos, mas com características próprias. Igualmente populares são os ciriole, outra massa feita à mão típica da região.

 

Sul da Itália: trigo duro e formatos robustos

Campânia (Nápoles): Berço do Espaguete

Embora muitos pensem que o espaguete nasceu em toda a Itália, na verdade ele tem origem na Campânia. Além disso, a região nos deu os paccheri, tubos largos perfeitos para molhos encorpados, e os ziti, tradicionalmente servidos em casamentos.

 

Puglia: Orecchiette e Tradição

As famosas orecchiette (“orelhinhas”) são o símbolo da Puglia. Tradicionalmente, as nonnas pugliesi ainda fazem essa massa na rua, especialmente em Bari Vecchia. Portanto, quando visitarem a região, não percam essa experiência única!

 

Sicília: Influências Árabes

A Sicília, com sua história multicultural, desenvolveu formatos únicos como os busiate, uma massa em espiral tradicionalmente servida com pesto trapanese.

 

Existe um padrão regional? Sim, definitivamente existe um padrão!

Norte: Massas com ovos, formatos delicados e frequentemente recheadas

Centro: Massas rústicas, feitas à mão, com texturas irregulares

Sul: Massas de trigo duro, formatos robustos, ideais para molhos intensos

Essa divisão não é casual. O Norte, mais rico historicamente, podia se dar ao luxo de usar ovos abundantemente. O Centro, com suas tradições camponesas, desenvolveu massas simples mas saborosas. Finalmente, o Sul, com seu clima seco, especializou-se em massas que duravam mais tempo.

Dicas:

  1. Cada formato tem seu molho ideal: Os italianos levam isso muito a sério!
  2. A massa fresca não é sempre melhor: Algumas preparações pedem especificamente massa seca
  3. Respeitem as tradições locais: Perguntar por carbonara em Nápoles pode render olhares tortos!

 

Conclusão: uma viagem gastronômica imperdível

Conhecer as massas regionais italianas é como fazer uma viagem pela história e geografia do país. Cada formato conta uma história, cada região preserva suas tradições com orgulho. Por isso, quando visitarem a Itália, experimentem sempre as especialidades locais, vocês não vão se arrepender!

E lembrem-se: a melhor forma de conhecer essas delícias é fazendo um tour gastronômico pelas regiões. Afinal, comer massa na sua terra natal é uma experiência que fica para sempre na memória!

 


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